A escolha de cores e tons de tinta tem um papel particular na prática de Daniel Mattar, ele aplica, gota a gota, com cuidado meticuloso... As cores nunca estão ali por acaso, elas carregam sentidos ocultos, códigos, tabus e preconceitos. Elas são o reflexo da nossa vida cotidiana, da nossa linguagem, do nosso imaginário. Não são nem imutáveis nem universais e carregam uma história.
- Martha Kirszenbaum
Em sua emblemática série Dialogue, desenvolvida em 2010, Lee Ufan, pintor e escultor minimalista coreano, cria suas telas dispostas sobre o chão com uma pincelada de tinta a óleo misturada com um pigmento natural. Doze telas brancas exibem, cada uma, um gradiente azul-acinzentado, que revela um movimento ao mesmo tempo preciso e intenso sobre o fundo branco vazio. O gesto de Ufan é lento e certeiro, alia-se a um completo domínio da respiração e dos movimentos do corpo, e ele conscientemente deixa um espaço vazio que forma um elo entre a parte pintada e a parte intacta. Cria-se, então, o diálogo entre os elementos de sua obra, mas, também, entre o mundo interior e exterior. Essa concepção de local aberto, no qual as coisas e o espaço interagem de forma vivaz, parece atravessar toda a obra de Daniel Mattar. Nascido no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1971, e hoje radicado em Lisboa, Mattar repensa a relação entre fotografia, pintura e escultura, brincando com os intervalos que se infiltram em cada um desses suportes. Sua prática proteiforme, assim como a de Lee Ufan, sugere um espaço mental que reside na relação entre espaços pintados, não pintados, preenchidos e vazios. Mattar transforma, então, os objetos pintados em formas fotográficas digitais, que posteriormente reorganiza desta vez em objeto escultural – é o equilíbrio das relações entre os três, mais especificamente entre volume, cor e luz, que funda o próprio sentido de suas obras.
Para passar de uma pintura a uma fotografia e, em seguida, a um objeto, Daniel Mattar lança mão de um leque de técnicas, geralmente partindo de materiais que encontra, nos quais intervém com um gesto pictórico e que depois fotografa para então reimprimi-los em grande escala. O artista recicla imagens e materiais do cotidiano, cobrindo-os com uma camada espessa de tinta a óleo, fotografa o resultado e produz fotografias em grandes formatos. Utopista do banal, ele oferece uma segunda vida aos resíduos publicitários e a imagens esquecidas graças à luz e às sombras que a fotografia lhe permite explorar. Do ponto de vista técnico, Mattar usa um sensor digital com uma câmera de médio formato, com o dobro do tamanho de um sensor de uma câmera de 35mm, e lentes macro japonesas. Ele imprime as imagens em Diasec com impressão pigmentada sobre acrílico transparente, processo no qual a aderência se faz quimicamente quando dois componentes líquidos entram em contato, resultando em uma superfície lisa, sem falhas, com um contraste de cor acentuado...
A escolha de cores e tons de tinta tem um papel particular na prática de Daniel Mattar, ele aplica, gota a gota, com cuidado meticuloso. Inspirando-se nas cartelas de cor das lojas de tinta e de materiais de construção, ele compõe sua própria paleta de nomes sugestivos, como branco de titânio – o branco opaco mais luminoso usado na História da Arte –, o cinza de Payne – um cinza- escuro tendendo para o azul, muito usado em aquarela e obtido graças à mistura de vários pigmentos –, ou o azul-ultramar – um azul intenso e historicamente valioso por ser obtido pela moagem da fina pedra de lápis- lazúli, e que está entre os pigmentos mais caros do mundo, ainda que sua síntese realizada no século XIX tenha viabilizado uma versão artificial mais acessível. As cores nunca estão ali por acaso, elas carregam sentidos ocultos, códigos, tabus e preconceitos. Elas são o reflexo da nossa vida cotidiana, da nossa linguagem, do nosso imaginário. Não são nem imutáveis nem universais e carregam uma história...
Martha Kirszenbaum, 2023
Texto Crítico: Martha Kirszenbaum
Montagem Expositiva: Pedro Canoilas
Realização: Brisa Galeria