PIGMENTO, de Daniel Mattar, é uma série que se encontra em algum ponto entre a precisão da câmera e a experiência do gesto, entre a limpidez da impressão e a sujidade da tinta, entre a misteriosa alquimia das cores e sua versão contemporânea e global. O resultado nos desafia, pois, essas leituras, quase antagônicas, se sobrepõem, deixando entrever ideias descartadas e escolhas - como um pentimento.
Em 2016 o artista decidiu sair da zona de conforto proporcionada por seu amplo domínio técnico da fotografia e iniciou um estudo com cores e gestos, tintas e pincéis. Fez uma imersão na pintura abstrata transformando seu estúdio num atelier, e realizando grandes pinturas a óleo. O processo foi longo, gratificante, enriquecedor, mas o resultado das telas não o convenceu.
Revisitando os resíduos dessa catarse / estudo / pesquisa / encontro, Daniel Mattar percebeu que algo intrigante e potente se desprendia das bisnagas usadas e das manchas de tinta; remanescentes de gestos. E voltou a esses vestígios com seu olhar dilatado pela lente macro e aguçado por lentes de hiper definição.
Assim surgiu a série PIGMENTO - Narrativas das superfícies. Nesse processo pulsaram para a percepção do artista diversas camadas de imagens: as misturas de cores aderidas aos tubos; os desgastes, texturas e volumes criando uma topografia "planetária" nas superfícies das bisnagas amassadas. E também a herança alquímica e poética dos nomes dos pigmentos: Noir D'Ivoire , Bleu Lumière, Titanium White, replicados obsessivamente para atender as demandas da globalização: Ombre Naturelle, Raw Umber, Ombra Naturale, Sombra Natural, Umbra Nature... algumas vezes até acrescidos de outras informações: Blue di Cobalto - Imitazione, a explicitar que o cobalto não está mais lá. Todos compulsivamente carimbados com as impressões digitais da produção industrial, os códigos de barra.
As imagens finais, impressas em grande formato, subvertem a escala original dos objetos criando uma realidade aumentada e expressiva. Realizadas em C-print elas são montadas num material de intenso brilho. São superfícies preciosas para superfícies degradadas -mas desgastadas pelo gesto artístico, ao qual nunca falta poesia.
Denise Mattar, 2018
Curadoria e Texto: Denise Mattar
Montagem expositiva: Pedro Canoilas
Realização: Brisa Galeria