(COL)ORATOR

20 Março - 19 Abril 2025

A arte não reproduz o visível; torna visível.”

(Paul Klee, Credo Criativo , 1920)

 

[Uma exposição que aprofunda todas as inquietações que o encontro com a obra desses dois artistas

sempre me suscitou, ampliando o meu encanto em vez de aplacar a busca por respostas.]

 

Os mecanismos criativos de Daniel Mattar e Lode Laperre refletem um mergulho no cruzamento entre

técnicas tradicionais e filosofias orientais, originando obras que dissolvem os limites entre o tradicional

e o contemporâneo e que pela sua natureza convidam uma experiência contemplativa e também uma

reflexão sobre a impermanência, a beleza da transitoriedade e a complexidade da materialidade.

 

O efémero como gesto

 

No período dos anos 90, na cidade de Tóquio, Daniel Mattar deu início à sua pesquisa fotográfica, período

em que o interesse pelo budismo e pela caligrafia japonesa exerceram uma influência significativa no

seu percurso. A sua prática artística integra elementos das áreas da fotografia e da pintura, incorporando

gestos pictóricos e registos fotográficos de grande escala, estabelecendo um diálogo entre o gesto

preciso e o impacto visual.

Mattar mergulha no estudo da relação entre o físico e o metafísico. A sua intervenção nas superfícies

revela um diálogo constante entre o efémero e o permanente, entre o gesto manual e a captura da

imagem. Em camadas sobrepostas, elementos gráficos e naturais remetem para a urbanidades e dinâmica

social. Ecos de técnicas de intervenção mural em espaços públicos, são facilmente identificadas em

algumas das suas obras. Onde a memória de interação com o ambiente remete o observador para uma

interação profunda.

A transitoriedade enquanto manifestação de forma

Após as suas viagens ao Oriente, Lode Laperre materializou o foco no detalhe, com o acessível do

fluxo natural das coisas, característica da filosofia e modo de estar oriental. Este método exige um

equilíbrio entre controlo e espontaneidade, alinhando-se com o conceito taoista Wu Wei, o princípio

de deixar acontecer. A cada aproximação à tela, emergem novas camadas e significados, e cada fissura

controlada simboliza a transitoriedade e a beleza da imperfeição.

A análise do processo de trabalho de Laperre demonstra uma postura de intervenção seletiva,

restringindo-se aos momentos cruciais, permitindo que o processo evolua de forma orgânica. Esta

abordagem, embora exija um método meticuloso e prolongado, resulta na obtenção de resultados mais

naturais e eficazes.O seu caminho é simultaneamente intuitivo e rigoroso. Cada intervenção ocorre apenas quandonecessário, respeitando o desdobramento natural da obra. Contudo, a aparente simplicidade desta

abordagem esconde um método investigativo minucioso, que permite à obra evoluir de forma quase

orgânica.

 

Tempo, tranquilidade

 

Lode Laperre e Daniel Mattar incorporam nas suas obras técnicas tradicionais e conhecimentos

orientais, criando peças que refletem sobre a impermanência, a reciclagem e a beleza encontrada na

transitoriedade, num convite ao observador para uma experiência contemplativa e introspetiva.

Laperre, por sua vez, investiga a noção de transitoriedade usando um processo de formação de fissuras

na pintura se torna uma metáfora visual para a impermanência. A sua pesquisa é, portanto, uma busca

por formas de integração entre a tradição da pintura e o fluxo natural das coisas, permitindo que a

obra evolua de maneira quase orgânica, em que o controle e a intuição se entrelaçam. Noutros casos,

reverberações de métodos da técnica de tatuagem manual japonesa Tebori, ou de pintura tibetana

Thangka são misturadas com a sua visão conceptual.

 

Controle e espontaneidade

 

A pesquisa contínua e a experimentação nos processos criativos dos dois artyistas encontram eco

na ideia de que a arte é um campo de investigação onde as técnicas e os conceitos se entrelaçam,

exploram os limites dos materiais, mas também mergulharam nas dimensões filosóficas e sensoriais

de suas prwwáticas. A experimentação técnica e o diálogo entre o tradicional e o contemporâneo

são, para ambos, formas de reflexão sobre a impermanência, a transitoriedade e o impacto da arte no

observador. Ambas as abordagens se baseiam em processos de pesquisa conceptual que convocam a

materialidade.

Embora distintas na sua origem e temas abordados, estão unidas por um fio comum, a busca para

expandir as fronteiras da arte contemporânea, explorando técnicas tradicionais com um olhar inovador.

 

Rui Guerreiro, 2025