Esta nova exposição da Brisa Galeria congrega o trabalho de Daniel Mattar e Ana Durães, dois artistas cujas abordagens, diferentes na forma e na linguagem, conseguem encontrar pontos comuns dentro dessa (afinal aparente) diferença. Parece-me especialmente importante focar alguns desses pontos, pois ambas as propostas jogam com o poder de observação e conduzem o olhar a um pulsar e a um coração comum.
Daniel Mattar tem vindo a trabalhar sobre a surpresa e o espanto que a revelação dos seus universos provocam no observador. Agora, com Natureza Alterada, Mattar utiliza pela primeira vez
suportes orgânicos, organismos vivos, porém perenes, pela intervenção do artista.
O trabalho fotográfico de Mattar detém-se agora num plano mais poético, onde a própria natureza vive naquele infinito momento sem tempo ou espaço. Ali, e enquanto o próprio acto criativo ainda não ocorreu, o vazio e a ausência aguardam a chegada do olhar da lente e do processo mecânico para tudo finalmente fazer sentido. É essa acção que tudo constrói. É esse o momento do nascimento da água e da tempestade, da luz e do calor, da faísca e da chama. O artista dá-nos a tarefa de ler e desvendar. Lentamente surgem os rios que serpenteiam cordilheiras, para se transformarem logo à frente em artérias de sangue e vida. Todo o complexo processo de trabalho de Daniel Mattar é então recompensado com esta entrega ao observador, que apenas tem de fazer uso do seu tempo e olhar.
Foi esse tempo e esse olhar que chamou a este momento a presença de Ana Durães. Ana, natural de Diamantina, Estado de Minas Gerais, tem vindo a mostrar o seu trabalho em vários países e continentes. Detentora de um longo e multifacetado currículo, Ana Durães tem aqui a sua primeira exposição em Portugal e encontra em Daniel Mattar a parceria ideal.
O trabalho que a artista nos mostra nesta Natureza Alterada parte da relação humana com os elementos, ora uma medição de forças ora uma troca generosa de afectos, ora ganância e medo,
ora agradecimento e plenitude. Neste trabalho, tudo irá condensar-se numa relação de amor e respeito para com a natureza mãe e protectora.
A partir do seu estúdio de Petrópolis, rodeada da mais incrível paisagem que a natureza ofereceu ao seu país, Ana foi construindo estas pinturas num clima de paz e gratidão. Nestas telas de linho, Ana foi capturando, em pinceladas suaves e ternas, a natureza que o seu olhar contemplava, colhendo os seus motivos no jardim ou no verde do horizonte.
A paleta de Ana Durães foi ficando diferente. A realidade que vive o seu país natal pintou o seu olhar de melancolia, levantou preocupações e dúvidas antigas, mas levou-a involuntariamente a serenar as cores. Estas pinturas transbordam claridade e clareza, fluem luminosamente, pairam e deleitam. Agora, sob a luz de Lisboa, do amanhecer ao crepúsculo, estes trabalhos ganham uma nova tonalidade, talvez mais optimista do que a que a artista deixou no estúdio de Petrópolis
Não resisto a partilhar algo que me disse, num dos nossos encontros em Lisboa, preparativos desta exposição: "A minha natureza é suave. Eu sou assim, não posso criar dentro do sofrimento."
Rui Guerreiro, 2020
Curador e Texto: Rui Guerreiro
Montagem expositiva: Pedro Canoilas
Realização: Brisa Galeria